Nas pesquisas históricas que tenho feito desde 2011, na ilha de Avalon,
na Inglaterra, vez por outra deparo-me com belas histórias ainda
desconhecidas do público. As vezes, tomo conhecimento de lendas e também
aquelas que levam um misto de realidade e fantasia. Talvez seja ainda a
presença da aura mística do rei Artur com toda sua corte repleta de
cavaleiros, magos e donzelas que impregnam o imaginário e a vida daquele
povo simples da região.
É deste cenário encantador que surge a fascinante lição acerca dos
verdadeiros valores da vida, mas também da paixão e do duelo entre a
razão e o coração.
Merlin, o genial feiticeiro da corte de Artur, era dado apenas ao culto
da razão e da magia. Envelhecera, segundo o burburinho das vozes
palacianas, sem nunca ter tocado em uma mulher. Porém, apesar da idade
avançada e da descrença em relação às coisas do coração, o mago
conselheiro de Artur, foi arrebatado pela beleza de uma jovem donzela
que visitara o palácio.
Seu nome era Morgana. A encantadora jovem parecia trazer uma ingenuidade
pulsante, e a sensualidade irradiava de seus gestos delicados e de seu
olhar brilhante. Merlin não resistiu aos dotes físicos da donzela e
sentiu pela primeira vez um frêmito percorrer todo o seu corpo
envelhecido e casto. A sua aproximação de Morgana, fazia-lhe bater o
coração de forma diferente, como se este já não mais suportasse o lugar
de desprezo a que fora confinado por todos os anos, desde a mocidade do
mago.
Merlin convidou Morgana para um passeio e enquanto caminhavam, ia
realizando seus feitiços, mudando aqui e ali de aparência, sempre
apresentando-se mais jovem e enchendo o salão de musicistas, pratos
deliciosos, ornamentações exóticas. Ele a impressionou finalmente!
Entretanto, chamou a atenção da moça para seu poder e conhecimento, sem
conseguir despertar em seu íntimo qualquer interesse pelo seu afeto. A
"inocente" jovenzinha revelou-se aos poucos uma mulher ambiciosa e à
medida que prometia entregar-se ao velho Merlin, mais ele lhe revelava
os segredos de sua magia.
Certo dia, o mago confidenciou ao rei Artur que seu fim estaria próximo,
pois não sabia como controlar a paixão. Artur, indagou como ele sendo
tão sábio, estava sem encontrar a solução para aquela perturbação, ao
que o mago respondeu: "- Meu nobre rei, diante do conflito entre a
paixão e o saber, começo a descobrir que o saber nunca vence!"
E assim, Merlin convidou Morgana para ir até as montanhas da Cornuália,
pois ele havia preparado um belo quarto, escavado nos paredões rochosos.
Embelezou com joias preciosas, o revestiu com ouro, e encheu o ar com o
perfume de velas aromatizadas. Tudo isto havia feito para uma noite de
amor! Porém, Morgana tinha outros planos. Pediu para que Merlin entrasse
primeiro por uma passagem secreta que daria acesso ao quarto, e quando
ele se encontrava na alcova, esperando-a, ela pronunciou as palavras
mágicas e o encarcerou nos aposentos, na intimidade da montanha. Do lado
de fora, à medida que se afastava, ela ouvia a sua voz suplicante,
pedindo liberdade.
Ele ficou preso à própria paixão avassaladora e ao seu poder que usou
para tentar seduzi-la. Por outro lado, ela ficou com seu prestígio e
conhecimento da magia. E ainda hoje quem quer que visite as montanhas,
reza uma tradição, que é possível ouvir a voz envelhecida do mago,
clamando por libertação!
Esta história ou estória, é o reflexo das escolhas infelizes de muitos até hoje.
Quantos há, que por uma paixão, ficam presos nas próprias ações
equivocadas? Por ventura, são poucos os crimes passionais? Não, não são
poucos os que se enredam nas tramas e são emparedados vivos, por
acreditarem que o outro pode ser conquistado por violência e ameaças.
Quantos tentam manter suas relações pelo poder ou outro tipo de talento?
E não podemos esquecer dos jogadores de futebol e das celebridades da
TV que posam ao lado de seus "menininhos" de corpos sarados, verdadeiros
orangotangos de praia. E o mais curioso é quando ouvimos o discurso,
"de que amam a essência..." Pura demagogia! A qual essência estão se
referindo?
São consumidores de uma filosofia de vida que diverge do "amor à
essência". Pululam em uma sociedade que cultua a vaidade com suas
botulinas e lipolight, que usa camisetas com jacarezinho no peito, ou
curte as bolsas Louis Viton, que por sinal, são muito compradas por
brasileiros nos camelôs das ruas de Roma. Sem deixar de falar do
prestígio que passam a desfrutar estas "bonequinhas de luxo", com acesso
a diretores de novelas, filmes e programas de TV, onde ao lado de seus
setentões e oitentões são apresentadas como o novo par romântico de uma
sociedade ilusória, sustentada pelos recursos do photoshop e da fantasia
propiciada pelo consumo compulsivo.
Já tive a oportunidade de levantar este assunto em meu livro, Entre o Ciúme e o Amor
e agora faço aqui. Alguém já soube de algum caso de uma alma gêmea
encontrada em um abrigo para idosos? Ele tem 25 ou 40 anos e deixou a
esposa porque encontrou sua cara-metade em um asilo. Trata-se de uma
garotinha de 88 anos. Alguém já viu isto em algum lugar?
Por favor, não pense que não apoio relações com diferenças na idade. Mas
estou analisando qual o tipo de relação que as pessoas estabelecem.
A ilusão de Merlin também faz outros tipos de vítimas. Quantos dedicaram
toda a vida ao conhecimento, ao intelecto, e foram pegos de surpresa
pelo corcel indomável da paixão? Acreditando que a solução dos problemas
de origem exógena e endógena, estariam nas pesquisas científicas,
tornaram-se despreparados para lidar com as coisas do coração. Em
verdade, conheciam de tudo, mas ignoravam-se na própria essência.
Merlin e Morgana não ficaram no passado de Avalon. Eles ainda vivem em nós e entre nós!
por Liszt Rangel, blog da História e da Vida.